Encerrada a 35ª edição da Mostra Internacional de Cinema em
São Paulo, seria hora de fazer um balanço da edição. Porém, diante das
novidades e pesares deste ano, mais do que um balanço, é hora de olhar para seus
novos desafios, que não são poucos.
A edição deste ano foi marcada pela morte de seu idealizador,
Leon Cakoff, vítima de câncer. Cakoff criou a Mostra em 1977, no MASP, com 22
filmes na programação. Desde então, o evento cresceu a proporções gigantescas, passando
a ter exibições em dezenas de salas e chegando a mais de 400 filmes
selecionados; um gigantismo que passou a ser alvo de criticas.
A Mostra sempre foi “a Mostra do Cakoff”, que também era
chamado de “Sr. Mostra”. Estes dois “títulos” exemplificam o caráter
personalista que o evento tinha em razão do pulso firme de Leon em fazer o
evento a seu modo e semelhança. Com sua morte, a pergunta que fica é qual será
a “cara” da Mostra daqui em diante.
Parte da resposta está nas mãos de Renata de Almeida, viúva
de Cakoff e seu braço direito na organização do evento desde 1989. É dela a
responsabilidade de levar adiante o legado de Cakoff. Renata ainda não definiu como
será esse futuro, mas acena com a possibilidade da criação de um conselho da
Mostra, encarregado, entre outras coisas, da seleção dos filmes.
O certo é que a Mostra deve mudar nos próximos anos. Já
nesta 35ª edição, algumas dessas mudanças foram colocadas a prova. A principal delas foi
no critério para seleção de filmes. Pela primeira vez, o evento só admitiu em
sua seleção de filmes internacionais obras inéditas no país. A consequência
imediata foi uma queda no número de filmes: dos habituais cerca de 400 para
cerca de 300.
A ideia partiu do próprio Cakoff, que mesmo com a saúde
afetada pelo agravamento de sua doença acompanhou e palpitou na elaboração
desta edição. A proposta de Cakoff pegou a equipe de surpresa e houve
resistência. Mas prevaleceu, como sempre, a vontade do Sr. Mostra.

Uma das polêmicas envolveu o filme brasileiro As Hiper Mulheres, de Carlos Fausto,
Leonardo Sette e Takumã Kuikuro, que foi cortado da programação na última hora.
Pelos critérios de ineditismo para filmes nacionais, a obra não precisava ser
inédita no Brasil, mas tinha que ser inédita em São Paulo. A organização da
Mostra justificou a retirada do filme alegando que recebera a informação de que
o filme já havia sido exibido na cidade.
Em nota publicada na página do filme no Facebook (clique aqui para ler), os diretores de As Hiper
Mulheres lamentaram a exclusão de sua obra da Mostra. Alegaram que o filme
segue inédito em São Paulo e que a exibição ao ar livre que ocorreu na
Cinemateca Brasileira, em junho, foi de um corte provisório em DVD de trabalho.
O corte final nunca teria sido exibido por aqui.
No campo das ausências, a mais sentida foi o novo filme do
espanhol Pedro Almodóvar, A Pele que
Habito. Frequentador assíduo da Mostra com seus filmes – e por vezes pessoalmente
-, sua nova produção não pôde entrar na programação por ter sido exibida no
Festival do Rio, semanas antes. Um fato que ilustra de certa forma a razão por
trás do novo critério.
Por ocorrer perto do final do ano, a Mostra chega sempre
depois que muitos festivais importantes no país já aconteceram. Em especial o
Festival do Rio, que termina poucos dias antes da Mostra começar. Ao exibir
filmes que já haviam sido exibidos e comentados pela imprensa anteriormente, o
evento de São Paulo sofria um pequeno desprestígi, perdendo em destaque para
seu principal oponente carioca.
Se de um lado o novo critério garante maior destaque para a
Mostra, por outro priva o público de São Paulo de ver alguns filmes
interessantes. Obras com poucas chances de chegar ao circuito comercial da
cidade e que tinham na Mostra a única chance de passar por aqui.

Na nota (leia aqui na íntegra), a organização explica que tem preferência por
receber de seus selecionados cópias em película, mas que não pode impor um
formato de suporte a quem convida para participar. Como o mercado está em
franca transição da película para o digital e como o custo da cópia digital é
muito mais vantajoso, as produtoras convidadas para exibirem filmes na Mostra
preferem enviar cópias digitais. O mesmo, segundo a nota, ocorre em festivais
de renome internacional, como Cannes e Berlin.
No entanto, a nota deixa vago o motivo real de tantos
problemas técnicos, dando a entender que parte do problema se deve ao atraso
das salas na atualização tecnológica para exibição em formato digital.
De qualquer forma, o fato é que muitos problemas foram
relatados pelo público e pela imprensa que cobriu o evento. Foi o caso de uma
das projeções do aguardado Habemus Papam,
que foi exibido sem legendas e com problemas nas cores. Entre os mais exaltados,
as críticas foram duras. Entre os mais fleumáticos (ou amigos dos
organizadores) o tom foi de condescendência. Já a solução definitiva,
espera-se, fica para o ano que vem.
Agora é aguardar a 36ª edição e ver como será a cara da
Mostra nos próximos anos. Os desafios estão postos á mesa, resta saber como
serão desbastados.
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