quarta-feira, 2 de novembro de 2011

CRÍTICA - País do Desejo


PAULO CALDAS / BRASIL, 2011 / 90 MIN.
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Não parece haver muito do Paulo Caldas de Deserto Feliz no Paulo Caldas de País do Desejo. Ainda que uma certa fragmentação narrativa permaneça, bem como um refino técnico notável, neste segundo filme o que mais se sobressai é a ausência de uma força reconhecível e uma entrega a pontas soltas desnecessárias. Num único filme, assuntos demais, sérios demais, tendem a dizer coisas de menos. É o pecado da pretensão.

Maria Padilha é uma pianista com uma doença terminal nos rins. Exibe um ceticismo diante da vida e acha que a música que carregava dentro de si morreu antes dela. Fábio Assunção é um padre progressista, que não se opõe irracionalmente ao aborto e incentiva o uso da camisinha. Ela é filho de pai ateu, tem um irmão médico e a mãe em estado de coma há muito tempo.

Na construção dos personagens principais (o padre e a pianista) e no encontro entre ambos através do acaso, Caldas preenche seu filme com sugestões de subtramas que não se completam e parecem servir como um tempero que nunca provamos.

Há o médico e sua esposa que pretendem ir à Bulgária porque as mulheres búlgaras são lindas e fica-se por isso mesmo. A esta promessa de permissividade erótica é acrescentada a nova enfermeira da mãe em coma. Uma jovem japonesa que lê mangás eróticos e exala uma tentação inocente nas roupas que veste.

Tão solto quanto estas subtramas está o caso da menina de 12 anos violentada pelo tio e grávida de gêmeos. Inspirado num caso real que ocupou a mídia alguns anos atrás, a história da excomunhão da menina, da mãe e dos médicos que realizaram o aborto é o pretexto para um dos conflitos do filme. Mas tudo com tão pouca conexão entre si que o artificialismo acaba sendo o único fator relevante da história. Contribui para isso as atuações fracas, os diálogos artificiais e a tônica teatral de algumas cenas.

É a não conexão dos blocos, com suas elipses e sugestões incompletas, que desfigura esta trama. Sem em Deserto Feliz as elipses funcionavam como mosaico da tragédia e da salvação, embora nunca feliz de fato, aqui elas apenas desagregam as pontas soltas que poderiam formar uma linha uniforme e até coerente.

Desconstrutivo de si mesmo, Pais do Desejo acena com intenções demais e narrativa de menos. Quer falar de amor incondicional, intransigência religiosa, soberba clerical, verve erótica e relações familiares, mas brinca de ser livre e nessa brincadeira perde o fio da meada.
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