segunda-feira, 17 de outubro de 2011

CRÍTICA - Deixa Ela Entrar

Låt den räte komma in / Tomas Alfredson / Suécia, 2008 / 115 min. 
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Em tempos de monotonias como Crepúsculo, Lua Nova e genéricos, Deixa Ela Entrar é uma luz de originalidade para um gênero marcado por repetições mornas. Mais ainda quando se leva em conta a recentemente inversão de valores que deturpam o símbolo original e essencial da figura do vampiro.

Neste filme sueco, preserva-se o “classicismo” folclórico do universo vampiresco. Mas ao invés de buscar a facilidade dos signos conhecidos e confortáveis do gênero, o diretor Tomas Alfredson opta por uma fábula sobre transição, delicadeza e solidão.

Oskar (Kare Hedebrant) é um menino de 12 anos que vive com a mãe na periferia de Estocolmo, na Suécia. Os pais são separados e pouco presentes em sua vida.  Na escola, ele sofre com o assédio violento e mórbido de três garotos. Introspectivo, busca a solidão e o isolamento enquanto ensaia, sem muita determinação, uma vingança contra seus algozes. É quando surge Eli (Lina Leandersson), uma menina de 12 anos que se muda para seu prédio.

Eli também é solitária, isolada, mas de uma maneira muito mais misteriosa. A empatia entre ambos acontece aos poucos, em encontros no playground do condomínio, sempre à noite. A forma como a relação entre ambos se desenvolve revela, a cada gesto e a cada recuo, a delicadeza de uma espécie de inocência, preservada por baixo do que trazem de amargo em suas vidas.

A relação que se estabelece é um tipo de interdependência, na qual Oskcar encontra em Eli o desconhecido que há dentro dele mesmo. É como se ele intuísse desde sempre a verdadeira natureza de Eli. Isso fica claro pelo tanto que o próprio Oskar tem de mórbido na maneira como muitas vezes reage ás agressões de que é vítima, como quando aparenta sentir até um prazer masoquista com o flagelo a que é submetido.

Já Eli, encontra em Oskar um alívio para sua existência solitária e sem esperança. Quando ela afirma que tem 12 anos há muito, muito tempo, decreta sua imutável condição de tristeza e maldição. Mas a maldição aqui não ganha os contornos trágicos do vampiro moderno. Ela existe muito mais na epiderme, numa condição de espírito, mais íntima e profunda do que a simples e animalesca fome de sangue.

Por isso Eli pede, implora, em determinado momento, para que Oskar se ponha em seu lugar. Busca nesse pedido sincero uma empatia impossível – afinal, ninguém pode saber o que é ser um vampiro sem se tornar um – mas o faz com a inocência e o desamparo de quem precisa muito que ele entenda, e de certa forma perdoe.

Deixa Ela Entrar trata em sua essência de alguns temas universais como a morte, o desejo e a destruição. A beleza mórbida de Oskar e seu flerte com a morte - simbolizada na faca que carrega - encontram na animalidade da fome de Eli um contraponto de equilíbrio e complementação. Este equilíbrio é materializado na força dominadora, destruidora, e ao mesmo tempo desamparada da figura de Eli.

Sem esquecer o terror, Tomas Alfredson pontua o filme com momentos em que a violência bestial presente nos instintos de um vampiro brotam em momentos chaves, com destaque para a cena final. Com o valiosíssimo mérito de extrair originalidade de um gênero cansado de aborrecidas tramas contemporâneas, Deixa Ela Entrar é um filme que se esquiva dos clichês sem abrir mão da referência. Mais importante, não renega a gênese anárquica, desajustada e bestial do vampiro como símbolo de instintos irreprimíveis.
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Cotação: * * * *

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