terça-feira, 25 de outubro de 2011

CRÍTICA - O Céu Sobre os Ombros


SÉRGIO BORGES / BRASIL, 2010 / 72 MIN.
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Já não há nada de novo em dizer que a realidade é mais estranha que a ficção. A complexidade de personagens que a vida tantas vezes nos apresenta podem facilmente parecer obra de um escritor (ou roteirista) sem bom senso para o realismo. É com essa sensação que vamos conhecendo os personagens reais que fazem parte do filme O Céu Sobre os Ombros.

Everlyn é uma transexual formada em psicologia. Para seu mestrado, estuda os diários de um hermafrodita do século 19. Para ganhar a vida, ministra cursos de sexualidade durante o dia e se prostitui durante a noite. Murari é adepto da seita Hare Krishna, trabalha na cozinha de um restaurante vegetariano e participa ativamente da Galoucura, a torcida organizada do Atlético Mineiro. Lwei é um angolano que vive no Brasil. Escritor nunca publicado, tem um filho com problemas mentais e não pensa em levar a vida muito adiante, vivendo uma permanente insatisfação que o faz cogitar a morte constantemente.

Apresentando-se com margens pouco definidas entre o documentário e a ficção, o filme é construído a partir de tempos mortos do cotidiano. Mas o cotidiano dos personagens que o filme retrata passa ao largo de uma normalidade clássica, comum e ordinária. É como se o documental “ficcionalizasse” esse cotidiano e os personagens interpretassem a si mesmos. Mas nesta interpretação - passível, sim, de simulacros - filtram-se muito mais verdades que o simples registro documental.

Fragmentado, incisivo, duro e sem artifícios, o filme se despe de pretensões articuladas para nos entregar um material direto, montado no propósito de revelar a marginalidade na qual seus personagens habitam. Um retrato da realidade que subverte a normalidade daquilo que, embora não pareça, é real.

O resultado é uma experiência íntima e visual que desmascara o universo particular dessas pessoas. Sem julgamentos, conclusões ou afetação. É simples e franco. Dele se subtrai a vida no concreto de vivê-la. Cada um a sua maneira, num limbo como o da ficção, mas com as dores sentidas na inverossímil e concreta realidade.
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